sentimento démodé

há uns três dias passei por uma situação que realmente há muito tempo não experimentava.
uma sensação que demorei vários segundos para conseguir denominar internamente, e quando encontrei o nome pensei que nem se usava mais.
depois percebi que a palavra continua existindo, sim, na lingua portuguesa.
o caso é que cada vez menos gente se sente encabulada hoje em dia.
ou ao menos eu nunca ouço falar.
pois fiquei encabulada.
tive que procurar no dicionario, e o aurelio me lembrou que encabulação é o mesmo que confusao, e que o encabulado fica igual ao acanhado, envergonhado.
lembrei imediatamente de um grande amigo meu, que sempre me definiu como "una de esas personas que raras veces experimenta la verguenza" (o amigo é o marcos, que é argentino).
entendi que ele estava dizendo que eu sou uma tremenda cara de pau, mas como gosto muito dele, e ele é muito meu amigo, deixo ele pensar o que quiser e pode ate ser que ele tenha razao.
o caso é que, na maior parte das vezes ele tem razão mesmo...
talvez por pura e simples incapacidade de mentir, acabo praticando na vida a verdade e a sinceridade, e me acostumei com isto.
ou seja, raramente fico encabulada por ter mentido, porque não sei fazer isto, termino por esquecer qual era a mentira, e acabo falando a verdade mesmo, que é mais fácil.
muitas vezes resulta até infantil ser sincera, porque pergunto as coisas que realmente desejo perguntar, e as pessoas me olham com cara de surpresa, porque são perguntas que poucas vezes um adulto formula.
não vou citar nenhuma destas, porque em algumas bem que eu pensei que teria sido melhor ficar calada.
ou seja: muitas vezes é um problema...
porque minha tendencia natural é pensar só depois de falar...
(desde que comecei a fazer meu mapa astral e estudar isto, há uns quinze anos, todas as astrólogas advertem que a lua em sagitario pode mesmo fazer isto com uma pessoa, ainda que ela tenha nascido com o sol estacionado em um previdente signo taurino...)
com a vida adulta, e o trabalho como diretora de uma instituição, feita por pessoas (como todas!), tenho aprendido, e como!
aprendido a pensar antes de falar, a ficar calada, a ouvir bastante os outros, bem como a utilizar uma série de expressões que me dão tempo para pensar no que dizer: "bem..."; "então...", "que interessante!", "achas isto mesmo?"
é claro que a expressão de riso interno me trai em 90% das vezes, e quem convive comigo não cai nem por um minuto nesta tentativa de "cara de paisagem".
mas tenho que admitir que tenho praticado este aspecto da vida adulta, com relativo sucesso.
por isto me surpreendi comigo mesma quando, depois de muitos anos, encabulei!
porque, se sou incompetente para mentir, não encabularia por isto, mas por ter sido... pega de surpresa!
que foi o que aconteceu!
ouvir alguma coisa que não se esperava, que muda o rumo da prosa instantaneamente, que deixa a pessoa no contrapé sem saber o que dizer, que faz dobrar para a direita quando tudo indicava que era para seguir em frente, sei lá!
bem quando eu penso que estou relativamente desenvolta nas atividades da vida adulta, onde raramente as pessoas encabulam, lá aparece o sentimento fora de moda este!
parei para pensar, primeiro porque gosto de pensar.
e porque gostei de ver que o tal aprendizado da vida adulta é apenas um dos aprendizados da vida, mas que bom mesmo é saber que vai ter sempre um contrapé, uma supresa, uma bola voando por detras de um portão como o da foto.
e que é o fluxo do acaso (sem de fato crer em acaso), da surpresa, do impensado e do não programado que faz a vida tão rica como de fato é.