sexta-feira, setembro 19, 2008

Quem som é este?

Matéria de Bianca Zanella, publicada no Diário Popular de ontem e no Portfólio Online

Mozart, Liszt, Schubert, Piazzola... em meio a nomes conhecidos da música, algo vai soar estranho no concerto que ocorre hoje à noite, em homenagem aos 90 anos do Conservatório de Pelotas. Dispostos a explorar as fronteiras entre a música e o barulho, os professores Rogério Constante e Luciano Zanatta farão uma intervenção diferente no repertório consagrado de música brasileira e da chamada nova música contemporânea.

O gênero não é exatamente novo, mas o momento é inédito no circuito pelotense. Cerca de cinqüenta anos depois da inauguração das duas principais correntes que deram origem ao estilo - a escola de Colônia na Alemanha e a escola de Paris - Pelotas assistirá pela primeira vez, ao menos oficialmente, a uma apresentação Eletroacústica.

As composições surgem da fusão entre a música concreta - sons incidentais captados no ambiente - e a música eletrônica - sons gerados por computador. Os ruídos, que em outras circunstâncias seriam indesejáveis (nos concertos clássicos, por exemplo), aqui viram matéria-prima para elaborações musicais que evidenciam a plasticidade, com altas doses de experimentação e inventividade.

Através da manipulação digital e técnicas de sintetização, os músicos moldam as propriedades essenciais do som: alteram timbres, aumentam ou diminuem freqüências, ressaltam notas. O resultado é uma seqüência sonora com estética diferenciada - de estrutura indefinida, sem ritmo constante ou melodia harmônica -, que tensiona o espectador e obriga o ouvinte a testar sua capacidade de percepção.

"O maior choque que a música eletroacústica pode causar é a ausência da relação de causa e efeito. As pessoas estão acostumadas a ver alguém que toca um instrumento e a partir dessa ação o som é ouvido. Nesse caso não há intérprete, o compositor já deixa a música pronta no computador", explica Rogério Constante, que usou como base para a composição o rangir das cadeiras cinqüentenárias do auditório. "A proposta é justamente dialogar com o ambiente", diz ele, que ainda guarda no notebook a composição que apresentará amanhã inacabada.

O método de criação é similar ao de qualquer outra música. A grande diferença, demonstrada pelos professores, é que na música instrumental é feita de sons "prontos", ainda que se considere as variações de cada intrumento e de cada instrumentista. "Na música eletroacústica o compositor pode e deve, além de compor com os sons, compor os próprios sons", enfatiza Luciano Zanatta, que preparou uma audição de piano diferente, com inserções de estalos e ruídos provocados por uma caixa amplificadora saturada, exposta ao limite da sua capacidade.


Um desafio aos sentidos em três dimensões

"A questão chave para quem vai ouvir alguma coisa pela primeira vez é descobrir o que há ali para ser ouvido. Quem for ouvir eletroacústica esperando algum tipo de estrutura musical - no conceito restrito disso - vai se decepcionar. Isso não está lá porque não é para estar", sugere Zanatta, dando pistas de como o público deverá se comportar para melhor aproveitar a apresentação. "Em alguns momentos pode ser interessante tentar identificar os sons. Em outros, o melhor é abstrair mesmo", completa Constante.

Para demonstrar o dinamismo do som uma estrutura foi especialmente planejada. Serão quatro saídas de áudio em torno do público, que facilitarão a observação nítida dos movimentos da música, em seus vários planos, no espaço.

"Todo o repertório do concerto é bastante diversificado, o que só vem a demonstrar a vitalidade do Conservatório, que consegue se renovar e ao mesmo tempo se abrir para um leque bastante amplo de tendências musicais", observa Zanatta, que adverte que por ser uma experiência estética intensa, a apresentação exigirá a atenção constante do público.

A série de concertos em homenagem aos 90 anos do Conservatório de Música, que se estende até o mês de dezembro, é uma realização da Ato Produção Cultural e conta com o apoio do Serviço Social da Indústria (Sesi) e patrocínio da Caixa Econômica Federal, que também comemora seus 120 anos na cidade.

2 comentários:

Bianca Zanella disse...

Por aqui de novo, passando pra deixar um oi! Grande beijo, Isabel!

Anônimo disse...

Fronteira entre música e barulho é ótimo...

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