Materia de Bianca Zanella, publicada no Diario Popular de hoje e no blog Portfólio Online
No Conservatório de Música Pelotas, há 9 décadas, muda-se o compasso mas não se perde o ritmo. A música não pára nunca. Ali, tudo é feito de som desde que José Corsi e o professor Guilherme Fontainha, então diretor do Conservatório de Música de Porto Alegre, idealizaram uma nova proposta artístico-cultural, no início do século 20. O tempo era de auto-afirmação. Quando já se anunciava a antropofagia que viria escancarada na Semana de Arte Moderna de 22, o que se pretendia em termos regionais, lá em 1918, era a criação de um movimento cultural autônomo no Rio Grande do Sul.
Na prática a idéia propunha o estabelecimento de uma rede de centros culturais que permitisse a circulação permanente de artistas nacionais e internacionais, e que pudesse servir também para promover a educação musical da comunidade. A estratégia tratava de resolver o problema logístico, um dos principais empecilhos para o intercâmbio artístico na época do quase-pré-histórico mundo pré-globalizado, quando - imaginem! - não havia como fazer downloads das últimas composições, ou assistir no You Tube o vídeo do mais novo concerto do circuito europeu.
As obras, os artistas, continuavam a viajar - com piano e tudo, se necessário fosse - de navio até aqui. O itinerário - do qual Pelotas e outras 16 cidades faziam parte - não eliminava a epopéia dos músicos que se aventuravam a chegar até a pampa, mas ao menos facilitava o acesso às novas tendências musicais e rendia assunto para as conversas nas rodas em que circulava a intelectualidade pelotense.
A fundação do Conservatório se deu no embalo do positivismo. A intenção era formar músicos e platéia, e estabelecer uma educação musical de forma ampla. Era prioridade que as mulheres, na função de primeiras educadoras, desenvolvessem seus dotes musicais e seus conhecimentos gerais. "Desde o início as atividades do Conservatório jamais desvincularam o ensino da música da prática, da vivência de concertos. Mais do que promover o acesso à música, a idéia era incentivar as pessoas a pensarem sobre cultura, arte e filosofia", explica a diretora da instituição e pesquisadora Isabel Nogueira.
O som da idade
Tijolos de dó, ré, mi, portas de fá, janelas de sol, lá, música, si. Talentos que entram e saem mantém as portas da instituição quase centenária sempre abertas. Por elas, arejadas, sopra um vento à favor da continuidade descontinuísta. Um ar de renovação. Aos noventa, o Conservatório é ainda como um jovem músico a experimentar os primeiros acordes. Mas a estrutura...
A idade faz barulho. Se o tempo tem outro som além dos tics e tacs, este som é o do rangir das articulações. Sobem a escada. Os degraus gemem. Caminham pela ante-sala. No salão ao lado, os passos viram um acompanhamento indesejável para os acordes de perfeita harmonia. A melodia às vezes inquieta. Diante do palco de tábuas corridas e plena concentração, basta que um ouvinte se acomode na platéia para que todas as cadeiras, ouvintes de todos os concertos desde 1950, desacomodem-se também. Presas ao chão, seus acentos exclamam, porque os parafusos fizeram casa, reclamam e fazem sua própria melodia de madeira e verniz.
Se a música é tempo, o espaço de oito salas ficou pequeno para acomodar mais gente. Por isso os projetos são de reformar e ampliar as acomodações, que hoje limitam o grupo de alunos em cerca de 150.
Conservador, nem tanto
Por definição, conservatórios são locais de ensino de música e também onde se conservam certos valores culturais e intelectuais. A prática, no entanto, não necessariamente se associa à idéia engessada de conservadorismo.
Ao longo do tempo, as diversas formas de interação de culturas e criações têm dissipado as fronteiras entre a música popular e a música erudita, em todos os lugares, e no Conservatório também.
Quando completa noventa anos de atividades ininterruptas, o Conservatório quer renascer. Afinal, não é para isso que servem os aniversários? "Eu vejo o conservatório hoje como um espaço que sedia um novo movimento de contra-cultura. Afinal, aqui resiste uma forma de música que é diferente daquela que está exposta na mídia. O que toca aqui não é trilha de nenhuma novela". Essa é a resposta que Isabel Nogueira tem na ponta da língua para os críticos que afirmam que o Conservatório é uma casa elitista. "Este lugar foi construído com um caráter muito humano, sobre pilares de um idealismo muito forte. A casa sempre esteve aberta e além disso, muitos alunos que passam por aqui desenvolvem projetos fora. Através deles o Conservatório e a música se aproximam da comunidade".
Municipalizado em 1937 e vinculado à Universidade Federal de Pelotas desde 1983, o Conservatório de Pelotas, é um dos remanescentes do projeto original, acompanhado das instituições de Rio Grande, Bagé e Porto Alegre, que seguiram trajetórias parecidas e ainda hoje se mantém em funcionamento.
Na noite de quinta-feira, 18 de setembro, professores da casa e convidados farão soar instrumentos em homenagem à data que marcou a fundação da instituição. O repertório vai do folk e popular ao erudito e inclui nomes como Liszt, Mozart, Schubert e Piazzola.
O concerto soará também em tom de novidade: propiciada pela recém criação do curso de composição musical da UFPel, os professores Rogério Constante e Luciano Zanatta farão uma apresentação eletroacústica. O gênero inédito no local é caracterizado pela técnica de composição que utiliza sons produzidos ou processados eletronicamente. "Pode ser um choque, em princípio, porque a música não tem uma estrutura a que o público está acostumado a acompanhar. Mas vai ser interessante", adianta a diretora.
Este será o segundo de uma série de sete concertos, inaugurada em agosto com o pianista Alexandre Alcântara - por ocasião da passagem dos 39 anos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - e que terá seqüência até o final do ano.
A programação é também alusiva aos 120 anos da Caixa Econômica Federal em Pelotas e tem o apoio do Serviço Social da Indústria (Sesi).
Programação
Esta semana
Dia 18, concerto com professores e convidados
Em setembro
Dia 26, Quarteto de Violões Maogani (São Paulo)
Em outubro
Dia 10, Olinda Alessandrini, Hella Frank e Inge Schmiedt - piano, violino e violoncelo
Dia 22, Laura de Souza e Max Uriarte - canto e piano
Dia 28, Nancy Lee Harper - piano solo (Portugal)
Em dezembro
Dia 5, Lucas Debevec Mayer, Rosana Schiavi e Carlos Morejano - canto e piano (Argentina/Brasil)
* Todos os concertos ocorrerão no Salão Milton de Lemos, nas dependências do Conservatório de Música da UFPel (rua Félix da Cunha, 651.
** Os ingressos são distribuídos local, mediante a troca por um quilo de alimento não perecível. Os donativos arrecadados serão repassados ao Banco de Alimentos Madre Tereza de Calcutá.
Um comentário:
Meu e-mail: b.zanella@gmail.com
Grande beijo!
Bianca
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