Minha avo Jacy fez 80 anos!

ela cuidava de mim quando pequena, porque minha mãe estudava odonto.
ela me apresentava um mundo mágico saído das gavetas de sua máquina de costura, onde carretéis viravam carrinhos, retalhos viravam roupas de bonecas e as gavetas viravam trens.
quando eramos pequenos, ela brincava de quatro com os netos no chão, fazendo barulho de cavalo e tudo.
sua cozinha era um lugar encantado, onde a geladeira era a maior do mundo, com cheiro de pão caseiro, creme rei alberto e bolo frito.
minha avo tinha flores na casa, que pendiam plantadas ao longo do muro, e seu patio tinha arvores enormes, que davam mamão e abacates - árvores enormes que para nós, os netos, eram uma selva onde descobríamos sempre coisas novas.
ela gosta de cantar, e há poucos dias me contou uma coisa que achei linda.
contou que quando eu era pequena, tinha dois anos ou menos, ela me ensinava a cantar, e ficava feliz que eu aprendia tudo, mesmo palavras difíceis.
e ela me ensinou Chiquita Bacana, de Carmen Miranda, e ficava orgulhosa que eu sabia dizer "existencialista" bem direitinho.
então, quando vinhamos voltando de ônibus para casa, ela falava: "canta, canta", e eu cantava Carmen Miranda, bem contente, para todo o ônibus ouvir...
minha avó canta sambinhas, marchinhas antigas de carnaval, músicas que tocavam no rádio "na sua época" e que ela relembra sempre que alguém diz uma palavra que lembre uma música.
ela então para tudo, e canta, afinada, sussurrante, e com olhinhos de "pequena notável".
minha avó tem uma alegria imensa, um senso de humor inabalável, tem um coração bom, bom, bom, que é melhor até mesmo do que os doces de abóbora e de figo que ela sabe fazer.
tem pele branquinha, olhos azuis, e uma energia de colona italiana.
ela canta, costura, cozinha, sabe fazer roupas de boneca, só dá conselho se alguém pedir, e é pra lá de moderna, do alto dos seus 80 anos.
Jacy-Lua, deusa da minha rua.
( e mesmo no dia do aniversario, ela deixou a bengala apoiada na mesa e recitou vicente celestino!)