terça-feira, julho 03, 2007

uma estoria

uma tarde de setembro, uma menina e sua mãe passeiam pelo centro da cidade, e decidem entrar em uma exposição de poesias e artes plasticas, que estava acontecendo no hall de entrada da prefeitura da cidade.
a menina tinha oito anos, e há poucos dias tinha escrito sua primeira poesia.
gostava muito de ler, fazia fichas para os livros que lia, se perguntava o que os autores tinham pensado ao escrever a história, e muitas vezes escrevia aos autores dos livros contando o que tinha pensado e querendo saber como eram.
eram cartas, escritas à mão e postadas no correio em envelopes brancos, coisa que pouco se usa hoje em dia.
se sentia um pouco mágica, conversando sobre livros e histórias com pessoas que não conhecia, mas que tinham escrito livros e tinham seus nomes estampados neles.
gostava de perguntar, sua primeira poesia tinha se chamado "perguntas", e poesia era algo que ela gostava muito.
conhecia mario quintana, erico verissimo e cecilia meireles, da qual sabia de cor as poesias do livro "ou isto ou aquilo".
ela tambem era um pouco daquela "menina tão pequenina que quer ser bailarina".
das aulas de ballet tambem tinha se interessado pelo piano, pois que dona Sodrelina acompanhava ao piano as aulas de ballet em que ela dançava.
na tarde de setembro, entraram na exposição.
entre tudo o que viu, as poesias chamaram sua atenção.
eram lindas, leves, esvoaçantes, profundas, melancólicas, perfumadas de um aroma de outros tempos.
falavam de coisas que nunca tinha ouvido, mas que queria conhecer.
a menina pediu à sua mãe que comprasse o livro do poeta que havia escrito aquelas poesias.
a mãe da menina disse que não sabia onde encontrar este livro.
a menina olhou à volta e descobriu uma mesa onde estavam os livros.
voltou exultante e disse à sua mãe que não havia problema: os livros estavam à venda ali mesmo!
brochuras simples mas cheias daquelas belas poesias.
a mãe então começou a dizer que não havia trazido dinheiro, que não poderia comprar o livro, deixassem para outra hora.
a menina insistia.
outra negativa, mais uma insistência.
a mãe queria comprar, mas realmente não havia trazido dinheiro.
decepção da menina.
de trás das duas, uma voz de homem diz: "com licença, senhora, eu estava ouvindo a conversa de vocês duas. eu gostaria de presentear a menina com este livros, eu sou o poeta. fico feliz que ela tenha gostado da minha poesia. "
a menina ficou muda.
feliz de poder levar para casa os livros onde estavam as belas poesias, mas sem fala por conhecer ao vivo um daqueles personagens do mundo mágico dos escritores.
leu todas as poesias, guardou com carinho aqueles livros consigo.
muitos anos depois, a menina reencontra o poeta.
moram ainda na mesma cidade.
ele se lembra daquele dia, e ela nunca o esqueceu.
ele diz que naquele momento, ele se perguntava se valia a pena a poesia, se valia a pena escrever.
e que o interesse da menina despertou nele muito mais do que a vontade de presenteá-la com o livro, mas significou o incentivo do que ele necessitava.
em todas as vezes em que voltaram a se encontrar, o poeta recordava aquele dia.
espero que hoje, seja de onde estiver, o poeta saiba que guardo seus livros e sua poesia.
e que guardo no coração seu carinho, sua presença e sua maneira de viver a vida com poesia.
(eu era a menina, minha mãe era minha mãe, e o poeta era Nelson Nobre Magalhães, preservacionista e criador do Pelotas Memoria, falecido em 24 de junho de 2007.)

5 comentários:

Unknown disse...

que lindo Isa...me emocionei pela hisotoria e tambem por Nelson...nao sabia que tinha mudado de pagos...

Anônimo disse...

Lindo!! Como sempre és um exemplo, pelo visto desde pequena. Bela homenagem!
beijos

Unknown disse...

Teu texto mostra, lindamente, como pequenos gestos ou acontecimentos aparentemente banais podem mudar a vida de uma pessoa...
A poesia dele te encantou. Teu encanto, de alguma forma, deu sentido ao que ele estava fazendo...

Anônimo disse...

Que lindo!! Continua escrevendo sempre, teu talento é imenso e a sensibilidade, enorme. Tinhas que escrever também as histórias da Fada Andrea... Beijos, da amiga, irmã e admiradora (não necessariamente nessa ordem) Biba

Anônimo disse...

E o mestre aprende com o aprendiz! Emocionante!

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