terça-feira, janeiro 05, 2010

para os filhos

Que de meus irmãos vi trechos de filmes, livros, discos, secos, molhados, laranjas, mecânicas, corpos que falam, escondida atrás da poltrona. Que de minhas irmãs assisti amores, sandálias de tiras, secadores barulhentos, espelhos indecisos, portões e eu te amos. De meus pais ouvi vozes sem brilho, silêncios velados, o som alto da TV e uma resignada ordem das coisas. (Mas no meio disso tudo eu vi amor.) Quero lhe dizer que de mim mesma vi muito e tanto, sem saber o que fazer com. Que de mim mesma escrevi tentando ler. Que do tempo entendi sermos feitos de medos iguais. Que dos fins, vi começos. Que, das férias, vi ilusões. De cortinas que se fechavam, vi se abrirem outras. Que os medos que tenho hoje não são outros dos que me viram crescer. Que os meus quarenta eu não sinto. Que você crescendo dentro de mim era eu junto. Que você crescendo ao meu lado é exemplo. Quero lhe dizer que não sei. Que ao ter você em meus braços, sinto como se soubesse. E esqueço os meus temores para ser o seu farol. Que ser o seu farol acende um caminho dentro de mim. Quero lhe dizer que ao tentar ensinar aprendo de novo – ou quem sabe é a primeira vez. Quero lhe dizer o que quero me dizer. Que você é um amor em mim. É afeto melhorado. Que depois de você a vida é brincadeira leve. Que o perigo de ter você é um risco doce. Que a sua respiração me faz voar para bem longe. Que a minha respiração ofegante coloca vírgulas em mim. Que atropelo as vírgulas em busca dos começos que moram depois dos pontos finais. Quero lhe dizer obrigada pelas vírgulas. Porque ao lhe ensinar sobre elas, vou aprender.
texto de Cristiana Guerra, no blog para francisco

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