a morte é quando um dia não tem dias depois.
todos os dias a gente vive pensando que este veio depois daquele de ontem, e que amanhã terá um novo.
e um deles, não se sabe qual, traz o dia que termina.
nesse dia, fico me perguntando se aquele cara que foi, fez tudo o que quis.
ou pelo menos um pouco de alguma coisa parecida com o que ele sonhou.
e esse dia que não tem dias depois faz sempre a gente pensar se está fazendo dos nossos dias a dias, compostos de um dia depois do outro, que a gente sempre esquece que pode ser esse dia sem dias depois; se a gente está fazendo presente em cada dia os pedacinhos de sonhos.
seja para quem for que chegue o dia sem dias depois, quem está na volta fica triste.
quem está longe também fica triste.
porque para aquele que morreu e fez a gente ficar triste, não chegou o dia depois daquele.
fico pensando que no fundo da tristeza da gente fica uma pergunta que a gente tem medo de perguntar.
não é só uma pergunta sobre o local para onde aquela pessoa foi passar os seus outros dias que vierem depois daquele, seja de que cor eles forem.
nem é apenas uma pergunta sobre como ela irá para o o local que não sabemos que cor tem.
que são perguntas que também afligem.
a pergunta que fica no fundo das lagrimas, bem no fundo, é uma pergunta que diz: será que eu, eu mesmo, eu que fiquei vivendo estes dias que são mais ou menos da cor dos dias que eu já conheço, será que eu estou plantando sementes do meu sonho nos meus dias a dias?
ou eles são para mim um dia depois do outro, sobre os quais eu não penso muito, apenas penso sobre todas as listas de todas as coisas que tenho que tratar de fazer nos meus todos os dias-após-o-outro?
sempre me lembro de um poema da adelia prado que termina dizendo "este excesso de realidade me confunde".
mesmo que a morte seja um excesso de realidade tão excessivo como um soco a seco na boca do estômago, independente de que tenha dado aos que ficam mais ou menos tempo de se preparar para dar de cara com ela, é uma coisa que, mal ou bem, vai chegar para todo mundo.
é.
(sinto por compactuar do excesso de realidade)
mas eu, desde pequena, sempre fui muito de perguntar.
tanto que a primeira vez que resolvi sentar para escrever uma sequência de linhas que resolvi chamar de poema, chamei o poema de "perguntas".
seguia o baile dizendo que me incomodava que muitas perguntas ficavam sem resposta.
tinha oito anos.a morte, ou o dia que não tem dias depois, é uma delas.
e pergunto hoje porque a vida faz com que, de vez em quando (ou mais frequentemente do que a gente gostaria) a gente tenha que pensar sobre os dias que vem depois.
ou sobre o dia que não tem dias depois.
não vejo que seja para que a gente chore, somente para isto, e que depois esqueça, esperando a próxima vez de chorar de novo.
porque a vez de chorar de novo vai chegar, não importa que demore um pouco.
sei que serve para que a gente se questione sobre o que vem depois destes dias que tem a cor dos dias que a gente conhece, e este questionamento tem impulsionado a arte, a ciência e a filosofia, fazendo algumas combinações maravilhosas e outras catastróficas.
eu, entre a arte, o pouco de ciência e a vã filosofia que me compõe, me pergunto, frente aos pensamentos que sobrepõe-se às lágrimas nas reflexões sobre o dia que não tem dias depois, se estou plantando as sementes dos sonhos que sonhei para mim.
sei que meus sonhos envolvem muitos fazeres, um montinho de flores bonitas e uma luazinha cheia de estrelas.
envolvem músicas, e filmes, e amigos, e amores.
e muitos poemas ao redor disto tudo.
envolvem mundos grandes e pequenos.
e gente para conversar disto tudo, para trocar muitos e muitos afetos e muitas palavras, e sentir que nestas palavras meus sonhos todos vão sendo acalentados, e que posso acalentar os sonhos de outros também.
lembro do regis mostrando suas guitarras ao pedro, e penso que, sem dúvida, as sementes de alguns sonhos ficaram por aqui.
(em 12 de setembro de 2005, quando o regis miller foi para um lugar de outras cores plantar novos sonhos)
3 comentários:
Isa, não tem nem o que dizer. Só a inspiração que ele te deu prá escrever isso, já prova que as sementes estão aí, para quem souber cultivá-las. Beijos guria.
Isa, eu não conhecia o Régis, mas o Paul tem razão: só o fato de teres escrito um texto tão sensível e profundo já comprova que as sementes estão aqui, aí e acolá, para quem puder, souber e quiser cultivá-las. Beijo, Biba
"se estou plantando as sementes dos sonhos que sonhei para mim..."
sim, estás. as sementes nem sempre caem perto do pé. nem sempre acham o lugar que nós queríamos. nem sempre conseguem o milagre caótico da germinação. nem sempre crescem frondosas a multiplicar-se. mas sempre contém a fundamental vontade de viver. essa tua vontade, acredites, me inspira a cada dia que espiro e ainda não expiro.
Postar um comentário